O corpo existe para segurar a espinha que segura a
cabeça, que sustenta os olhos e o córtex cerebral e libera os braços
que são para digitar e clicar. A internet não acompanha o expediente
comercial nem fecha para almoço. Todos os dias são úteis. E isso mudou
minha vida. Meus horários perderam os ponteiros. Não tenho hora para
comer e, à semelhança de um bebê recém-nascido, não sei mais o que é dia
e o que é noite. Às 4h da madrugada estou tão pilhada como se fosse às
4h da tarde. Pronta para mamar informações e evacuar ideias.
Meu corpo existe para segurar a espinha que segura a
cabeça que sustenta os olhos e o córtex cerebral. E libera os braços
que são para digitar e clicar.
Meus olhos estão além do alcance. Nem a alta miopia impede que eles estejam ora aqui, ora na China.
Vão me dizer que não é a mesma coisa que estar na
China com os pés fincados lá. Mas o meu cérebro não sabe disso. Talvez
porque nunca tenha ido à China. Talvez porque ele já não sabe
distinguir os mundos de cá e de lá.
Eu, pelo menos, fico confusa. Na maior parte das
vezes, sinto-me tão presente num quanto no outro. Na verdade não sei
mais qual é a borderline. Quase sinto o cheiro, a temperatura e o sabor
que vêm da tela.
Estar no lá era o sonho do personagem Cosme, da Vila
Sésamo. Ele dizia: “Eu quero estar no lá”. E estava sempre no aqui.
Mas isso foi antes da internet. Porque hoje estamos no lá e no aqui,
simultaneamente. Cosme deve estar feliz agora.
A Física mudou.
Não tenho tanta necessidade de sair de casa como
antes. Uma caminhadinha básica diária que é para o sangue circular.
Porém, quando tenho alguma reunião na rua, dá aquela desanimada. Para
que rua se há Skype? Com áudio, webcam e modo conferência? Com a
vantagem de poder, a exemplo dos apresentadores de telejornais, me
arrumar apenas da cintura para cima.
Minhas relações mudaram.
Converso com amigos que estão em outros países,
durante horas, com a banalidade de um clique. Fico íntima de alguém que
só vi uma vez, pessoalmente, quando muito. Conheço pessoas que jamais
conheceria na minha rotina mundana. Falo com gente que não falaria. Mas
e daí? É só desligá-las.
E o amor? Onde fica? Não sei. Não sei nem o que é o
amor. Porque a referência do amor se perdeu na leveza e facilidades das
relações. Mas não culpo a internet. Talvez porque eu a ame. E num
relacionamento passional a gente nunca enxerga os defeitos do outro.
Nos finais de semana, eu tento sair de casa, mas a
internet não deixa. Minha filha me puxa pelos braços. E como um membro
dos Alcoólatras Anônimos eu digo: “Só por hoje ficarei longe desse
computador”.
Mas se é para ir ao cinema, já vou eu para a
internet ver a programação. E, em segundos, estou chamando minha filha
para ver uma animação espetacular, hospedada no site de programações
culturais. Uma animação leva a outra que leva a outra e… quando vemos, o
filme na tela grande se foi…
A internet definitivamente mudou a concepção de
tempo e espaço. Como um buraco negro, ela suga o que estiver ao seu
redor para levar à outra dimensão.
Meu corpo reclama. A natureza não o fez para ficar
parado tantas horas. Há muito o que evoluir. Ainda somos primitivos
diante Dela. [Webinsider]
Cristiana Soares é publicitária e escreve no Blog Talk.
Fonte: Websinder (http://webinsider.uol.com.br/index.php/2007/11/26/so-por-hoje-ficarei-longe-desse-computador/)
Extraido: http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=1615
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